Palestra proferida pelo lasista José Pereira Bairrada, na:

Homenagem ao Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis
A esta casa, onde passei alguns dos melhores anos da minha vida, volto sempre com alegria e com a mesma sede de saber como no dia em que entrei aqui pela primeira vez. Sou natural de Proença-a-Nova, terra do homenageado, Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis, de quem fui aluno de Grego, nos anos 1959/60 e 1960/61.
É ocasião para manifestar a minha gratidão ao Seminário, aos professores e colegas, pelos princípios e valores que me transmitiram e que me têm orientado ao longo da vida.
Descíamos da Beira para o Alentejo. Algumas vezes me perguntei a que se devia essa corrente, essa migração, essa fuga para o Egipto. D. Manuel Mendes da Conceição Santos, arcebispo de Évora aquando da nossa entrada, tinha sido antes reitor do Seminário da Guarda e depois bispo de Portalegre. Conhecia bem os padres e paróquias da nossa terra e sabia bem onde ir buscar operários para a sua messe. Tivemos a oportunidade, miúdos que éramos, de conversar com ele nos claustros da “Chagas”. Creio que ele tinha uma voz nasalada. Pelo nosso modo rústico de falar, sabia adivinhar a nossa aldeia. Lembro-me também de, no dia do seu funeral, participar nas exéquias, na Sé de Évora, do alto das galerias.
Descíamos da Beira para o Alentejo. É ocasião para recordar com saudade os muitos padres beirões que dedicaram a vida inteira ao Alentejo. Profetas a vida inteira. Permitam-me que nomeie aqui alguns dos meus conterrâneos, sem esquecer nenhum: Padre José Alves, em Coruche, do Carvalhal; Padre Manuel Fernandes, em Benavente, do Vale d´ Urso; Cónego Joaquim Farinha, em Campo Maior, da Aldeia Ruiva; Padre Manuel Alves, no Cano, das Corgas; Padre António Martins, em Monforte do Alentejo, do Cabeço do Moinho; Cónego Joaquim Cristóvão, em Évora, das Corgas; e claro, o Cónego Sebastião Martins dos Reis, em Évora, do Vergão.
Como disse, o Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis foi meu professor de Grego. A esta distância, testemunho que sabia despertar em nós o gosto pelo estudo. Sabia incutir em nós o gosto pelos clássicos. Gosto que me ficou pela vida fora. Sempre que posso volto à Antígona para interiorizar que acima das leis dos homens há a lei divina, há “os preceitos, não escritos, mas imutáveis dos deuses. Porque esses (preceitos) não são de agora, nem de ontem, mas vigoram sempre, e ninguém sabe quando surgiram”. O grito da Antígona perante o édito do rei, Creonte, foi, como todos têm presente: como poderia eu deixar o meu irmão insepulto à mercê das feras e das aves de rapina? Foi este grito, que vem do início dos tempos, que voltei a ouvir, no Lar da minha Misericórdia, aquando do acolhimento de um Utente. A irmã, perante o descaso dos outros irmãos, - nenhum se chegava para a frente, para cuidar dele - gritou: “como poderia eu abandonar alguma vez o meu irmão?”
Como disse, frequentei o Seminário de Évora nos anos 60 e 61. Visitou-nos nessa altura, por uns dias, um Padre goês, jovem, cujo nome não recordo, que em Roma se estava a formar. Cantou lindos cânticos em concanim, encantou-nos com os usos e costumes da sua terra. A certa altura, descaiu em confessar o seu apoio à integração de Goa na União Indiana, do pandita Nehru. Foi um choque brutal. Era nosso colega, vindo de Moçambique, o Baleizão, com o “brevet” dos aviões, que de vez em quando levava o Padre Henrique da Silva Louro (da Pracana de Cardigos), nosso director espiritual, a voar. Foi o mais patriota de nós todos, já lhe queria atirar com uma cadeira. Um dia depois, na aula do Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis, debateu-se esse incidente. E o professor soube com delicadeza, sem ferir o nosso fervor nacionalista, iluminar as nossas inteligências, relativizando essas escolhas terrenas.
Por insondáveis desígnios de Deus, não me foi dado o dom da música. De modo que, aos domingos, nas cerimónias da Sé, não fazia parte do coro. Cabia-me a tarefa de acólito, tão ou mais importante que a primeira. Na sacristia, quando os senhores cónegos se estavam a paramentar, com aquelas vestes ricas e distintas, o Cónego Joaquim Cristóvão, das Corgas, gracejou: “oh, Sebastião, estás todo vaidoso!”
Das vezes que voltei a Évora, em vida do Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis, ia sempre na expectativa de o encontrar e fui todas as vezes bem acolhido pelo meu professor. Da cadeira de Grego guardo a gramática. Tenho pena de não ter comigo a selecta para reler os belos textos dos autores gregos. Estudei grego com afinco. Com muito entusiasmo. Gosto de procurar a origem das palavras, do grego e do latim. Do grego guardo apenas uma frase: mataiotes mataioteton, ta panta mataiotes. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade (Eclesiastes). Obrigado.
Évora, 23 de Fevereiro de 2013